Texto nosso publicado na edição de hoje do JP

por Zema Ribeiro (*)
Os alquimistas buscavam um remédio universal. Patrícia Ahmaral consegue, num balaio sonoro de difícil feitura, um disco para todas as ocasiões e, por isso mesmo, universal. Ouço-o pela manhã, enquanto tomo banho para ir ao trabalho, no trabalho – e só não o ouço no caminho por andar de ônibus – e enquanto escrevo este texto.
O segundo disco de Patrícia Ahmaral não mostra necessariamente um amadurecimento: “Ah!” (1999), disco de estréia produzido por Zeca Baleiro já é um trabalho bastante maduro; mostra sim uma continuidade – qualitativa – da obra da mineira.
Produzido por Renato Villaça e pela cantora/compositora, digo que o disco é um balaio por mesclar de forma abrangente e inteligente canções a que Patrícia confere unidade.
ALQUIMIA PASSO A PASSO: VITROLA FAIXA A FAIXA
O disco abre com “Quem Sabe” (Carlos Gomes e Bittencourt Sampaio) numa vinheta. Segue com “Mixturação”, pescada de um nada fácil repertório de Walter Franco. A canção, de uma doce violência na interpretação do compositor, ganha uma leveza pop na voz de Patrícia. “A Mais” (Herberth Vianna e Pedro Luís) faz a ponte para “S. O. S.” (Raul Seixas), que ganha uma incidental de “Com Fé Eu Vou Prosseguir”, rap do grupo NUC.
“Carmem Carolina” (Christian Maia e Renato Negrão) é personagem recorrente de músicas da banda Stonehenge. Com o subtítulo “Quando sua cara parte”, a música fala em uma menina que “quer que o mundo seja azulejado / pra cometer deslizes”. Outra pescada num repertório nada convencional – o diferencial das boas regravações realizadas pela mineira – é “Cabelos Longos”, de Alceu Valença, música que fala de desconfiança e ganha incidental de “32 Dentes”, dos Titãs.
Pérola do samba “moderno” é “A Outra Beleza” (Renato Villaça e Patrícia Ahmaral), com participação especial do genial Jards Macalé: “A beleza do mundo / tá na cara do feio / a máscara da alma / é o reflexo do espelho”. O poeta/blogueiro Ricardo Aleixo aparece ao lado de Gil Amâncio na composição de “Mercedes Benz”, música que fala em felicidade sob uma ótica interessante: “felicidade ap em Miami / jóias raras / sogro banqueiro caviar / cara na “Caras” / para os homens de bem / os homens de bens / os homens de Mercedes Benz”.
“Líquida” (Kali C e Suely Mesquita) ganha citação da ária “Quando Me’n Vo’Solleta”, da ópera “La Boheme” (G. Puccini), onde Patrícia comprova o que vem fazendo desde o início do disco, ou mesmo desde o disco anterior: que sabe cantar. “Palavras Sorteadas”, a faixa seguinte, é de Fernanda Takai. De já, hit da líder do Pato Fu. “Caximbo” (Osnofa e Edvaldo Santana), assim mesmo com “x” – por que não é o da paz, como explica o encarte – tem uma percussão a la Pedro Luís e a Parede, com instrumentos inusitados: frigideira, pau de chuva, sino de repartição pública, garrafa de água mineral de dois litros e por aí vai.
“Amargo” é uma amarga doce canção de Zeca Baleiro: “o vinho podre / que escorre das xícaras / o mel amargo / o meu coração / de onde quer que tudo venha / tudo irá / pra onde nada / nunca se alcança”. “O tempo passa / a vida / rola na pista vasta / vitrola alquimista / meu canto já não basta”, diz a faixa-título – de autoria da própria Patrícia – em seguida. Teu canto basta, Patrícia. “Espinhos não me cortam / mas onde estão todas as flores?” Só sei da flor cantante, Patrícia Ahmaral, que encerra o disco com a inicial “Quem sabe”, que traz, para quem tiver paciência, oculta, após um silêncio, a “Canção da Tarde Triste” (Christian Maia e Patrícia Ahmaral) citando “Ovelha Negra” (Rita Lee).
Um disco pop – na melhor acepção que o termo possa ter – gostoso de se ouvir. E de se ver: as fotos de Patrícia Ahmaral que ilustram o encarte, contradizem a faixa sete: a beleza do mundo/Minas tá em seu rosto/canto.
(*) estudante de Comunicação Social / Jornalismo da Faculdade São Luís, edita do blog Shopping Brazil (http://olhodeboi2.zip.net).