
Infantojuvenil é uma das suas estantes possíveis para O valor de cada um [Autografia, 2018, 52 p.], livro de Márcia Montenegro, obra de várias camadas.
A narrativa fabular mistura diferentes épocas, chamando a atenção do leitor para valores em desuso, infelizmente fora de moda.
A cidade da matemática é governada pelo tirano Nove IX, imperador que não aceita ser questionado sobre suas decisões.
O governante isola os números, com regulamentos esdrúxulos, porém inquestionáveis. Márcia Montenegro joga bem com a matemática, fazendo-nos revisitar lições da infância, sem vacilar com o português, disciplinas de destaque em grade da qual se pretende tirar a filosofia, que aparece aqui e acolá nas reflexões de alguns números, digo, personagens.
Há um eco orwelliano, embora a revolução dos números tenha sido praticamente obra do acaso, e não algo tão elaborado quanto a dos bichos.
Aprendem-se (ou relembram-se) os valores do amor, da amizade, da fraternidade, da igualdade e da liberdade. É freireano ao evocar a Pedagogia do Oprimido.
Sinal dos tempos, a dependência humana de dispositivos móveis é alegorizada no livro: qual nós, atualmente, os números enfiam as cabeças nas telas dos reluzentes aparelhinhos, esquecendo-se do tempo e da vida, essa arte do encontro, retardando até mesmo a revolução que os conduzirá ao infinito, com todas as suas possibilidades.
Ilustrado por Xande Pimenta, O valor de cada um guarda lições para além da matemática, e não apenas para crianças. Necessário, sobretudo nestes tristes tempos vividos no Brasil.
Serviço
Márcia Montenegro autografa O valor de cada um hoje (10), às 19h, na Livraria Tempo de Ler (Golden Shopping, Calhau).